Downloads ilegais e o dilema do músico

Os downloads ilegais de música, quando começaram a ficar mais fáceis, eram justificados como uma maneira de protestar contra aparentes custos altos na compra de um CD e contra os lucros absurdos das gravadoras contra artistas que passavam fome recebendo uma merreca de royalties.

Hoje, com o cenário inundado por artistas independentes, que produzem seus próprios discos, têm seus próprios canais de venda e possuem todo o ferramental para finalmente controlar seu negócio, a história teria que ser outra: não era mais a luta contra uma mega gananciosa organização fonográfica.

Mesmo com essa mudança, o download ilegal continua ainda mais forte que antes, obrigando o artista a considerar o aspecto estratégico, além do artístico. A questão é que o artista continua brigando contra uma força que não pode ser batida, ao invés de exaltar sua independência e usar sua criatividade a serviço de atividades muito mais rentáveis.

O download ilegal de discos por meio de torrents, sites de compartilhamento, blogs de discografia, comunidades de internet e outros vai sempre prejudicar alguém, ponto. Isso é batido já; porém, existe uma larga parcela prejudicada por esses downloads ilegais que não é parte de uma megacorporação: o artista independente.

Não sou advogado de defesa de ninguém, mas o artista independente vive somente do dinheiro que faz com sua música: ele não tem um portfolio de artistas embaixo dele, que ele administra na base do “esse não deu lucro, mas o outro compensa”. Ou ele vende o trabalho dele ou muda de profissão.

Porém, esse tipo de artista erra muito ao escolher como combater a questão do download ilegal: ele cria campanhas, se junta com associações anti-pirataria, faz denúncias, escreve cartas, apela ao bom senso de pessoas que – se tivessem – não criariam sites para troca ilegal de músicas.

Mais a mais, será que esses sites são realmente o problema? Será que tratando todos os downloads como criminosos não estamos ignorando as sutilezas e dificultando as soluções?

Eu divido os indivíduos que fazem estes downloads em 4 grupos:

  1. Gente sem condições financeiras de comprar CD.
  2. Gente sem acesso ao produto físico (CD ou DVD), por conta de má distribuição e barreiras de importação.
  3. Gente que simplesmente não dá a mínima e acha muito esperto baixar CD para economizar dinheiro.
  4. Gente que vê download como uma forma de sampling, de experimentar música antes de comprar.

Os números 1 e 2 são de fácil solução: a venda de versões digitais da obra (MP3, FLAC, etc.) quebra as barreiras geográficas, além de ser um formato que permite preços mais baixos, por cortar custos de distribuição, produção e estocagem.

O número 4 também apresenta um cenário fácil de se resolver, com a existência de ferramentas e redes (como o MySpace) que permitem o streaming de discos inteiros, com qualidade inferior o suficiente para que não substitua o produto real, mas superior o suficiente para que a pessoa possa experimentar o disco. Se você tem a cabeça no varejo tradicional, pense nisso como uma TV do mostruário.

Agora, o número 3 é o problema real. Esses caras não se sensibilizam nem com o drama do artista, nem empatizam com ele o suficiente para sairem de sua zona de conforto.

Porém, quantos fazem parte deste grupo 3? Vale a pena apelar a eles, considerando o que eu disse no parágrafo anterior? Estamos aqui tratando com pessoas que provavelmente não comprariam a música nem se não tivessem a opção de baixá-la. São pessoas que simplesmente não se importam o suficiente. Logo, não são clientes do artista.

Considerando isso, qualquer músico que luta hoje para fazer seu nome ao mesmo tempo que tenta preservar sua obra e seu rendimento deve ter foco em duas frentes:

  1. Os fãs fiéis / fanáticos/ hardcore: este público é pré-disposto a comprar edições especiais, discos bônus, embalagens diferenciadas, brindes, chances em sorteios, serviços e qualquer coisa a qual o nome do artista pode estar atrelado. Exemplo, exemplo, exemplo, exemplo é o que não falta.
  2. Os fãs casuais: estes são os grupos 1 e 2 lá de cima; pessoas que gostam do trabalho do artista, mas que por um motivo ou outro não se sentem propensas a pagar mais pelo premium (ou simplesmente não podem). Estes são atendidos por versões simples dos CDs (e por simples, eu falo até mesmo de um CD com embalagem barata, tipo MusicPac, só que sem a sacanagem da grande gravadora) ou versões digitais com arte para download pago.

Isso resume o ponto fatal do assunto: o artista independente tem que ter visão de empresário. Ver o fã passar por um funil onde ele entra como um experimentador da música (streamings, shows, MySpace, download gratuito de uma faixa), passa a ser um fã casual (comprando downloads ou CDs simples) e é cultivado até passar a ser um fã fiel, onde o ticket médio (valor de compra por pessoa) aumenta ao ponto dos lucros deliciosos (e lucro é legal e não estraga a arte).

O cultivar passa por criar uma comunidade, com todas as regras de cultivo que estão disponíveis em 1000 lugares: recomensar os fãs fiéis, transformando-os em propagandistas da sua arte, e interagindo sempre, oferecendo sempre sua presença e sua imagem para criar empatia em ambiente próprio (blog, site, forum, Orkut / Facebook / Twitter).

Infelizmente, o mundo não é perfeito, por mais que a gente queira. Por isso, foco no que realmente vai gerar resultado é melhor que lutar contra moinhos de vento. Não é admitir derrota, mas sim se adaptar e sobreviver em um cenário que muda sem  nosso consentimento.

7 thoughts on “Downloads ilegais e o dilema do músico

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  2. Ótimo artigo. Parabéns!
    Acredito que pirataria é uma questão de cultura.
    Quem admira o trabalho de um artista, não importa se a mídia é física ou digital, vai pagar por sua obra.
    É só olhar a iTunes Store, as pessoas continuam comprando músicas “adoidado”, apenas preferem um formato que é mais versátil no seu dia-a-dia.
    Ao meu ver, o DRM pune os usuários que justamente compram suas músicas legalmente, criando uma série de barreiras e empecilhos, o que mostra ser um tiro no pé.
    A pirataria sempre vai existir. O pior disso tudo são os artistas independentes apoiando as gravadoras. Enquanto ambos deveriam focar seus esforços em recompensar os ouvintes fiéis, que baixam suas músicas legalmente, invés de criar barreiras como o DRM.

    • O DRM até é uma reinvindicação justa. Mais justa que ir na TV e dar declarações vergonha alheia defendendo gravadora.

      Outro dia vi o Chitãozinho e o Xororó dando entrevista, falando que as gravadoras vão quebrar com os downloads ilegais, etc. e tal. Pô, estamos falando de dois artistas que poderiam sozinhos ganhar muito mais do que presos a uma gravadora, e eles ainda defendem a empresa? É muita falta de visão…

      Mas enfim, acho que o Brasil cria obstáculo demais para a compra de música individual, e isso estimula a pirtataria. Gravadora é viciada em vender discos inteiros, e acaba prejudicando esse mercado.

  3. Olá, Rodrigo. Tenho um blogue de análise musical Chamado Sobre a Canção, gostei deste seu post e gostaria de reproduzi-lo por lá, então venho pedir permissão. Confesso que não tenho ainda uma opinião muito formada a respeito do chamado download ilegal – uma lei criada para atender não aos artistas, mas a quem toma posse de seu trabalho – editores, gravadoras, etc., numa avaliação meio Escola de Frankfurt talvez. Mas acho os últimos parágrafos do texto excelentes, porque apontam caminhos. Acho que ainda há muito o que discutir sobre o copyleft, e como ele pode ser usado pelo artista a seu favor, além das novas possibilidades de mídia – o Moby andou fazendo música para videogame. Quantos públicos novos ele não atingiu com isso? Talvez não tenham nem visto que era ele o autor, mas ele ganhou uma grana com isso e sua música foi ouvida. Enfim, o assunto rende. Abraços.

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